ITINERÁRIO QUARESMAL | Dia 26: “A contemplação – um pequeno céu (II)”

Comecemos hoje falando um pouco sobre a “oração de recolhimento”, que é capaz de nos conduzir à “antessala” da contemplação, de modo que é a parte que podemos contribuir para que o Senhor encontre o terreno preparado e nos conceda a oração contemplativa, se Ele quiser.  

O fundamento da oração de recolhimento é a presença de Deus em nossas almas. É aquela presença imensurável pela qual Ele está em nós como Criador e Sustentador, tão real que “é nele que temos a vida, o movimento e o ser” (At 17,28). Ao mesmo tempo, é aquela presença amistosa pela qual Deus habita como Pai, Amigo e doce Hóspede na alma em estado de graça, convidando-a a viver em comunhão com as três Pessoas divinas.  

A oração de recolhimento consiste na consciência desta grande realidade: Deus está em mim e minha alma é seu templo (cf. 1 Cor 3,16). No íntimo deste templo eu me recolho para adorá-lo, amá-lo e unir-me a Ele. 

Assim exclama São João da Cruz: “Ó alma, a mais bela das criaturas, tu queres saber onde está teu Amado, para encontrá-lo e unir-te a Ele (…). Regozija-te e tem certeza de que Ele está perto de ti; de fato, habita em ti. Regozija-te com Ele no profundo de teu ser, pois Ele está tão perto de ti. Ama-O aqui; anseia por Ele aqui; adora-O aqui; e não O procures fora de ti”

E Santa Teresa de Ávila acrescenta: “Ir em busca dEle não requer asas; basta retirar-se para a solidão e contemplá-lo dentro de si mesmo”. 

Santa Teresa considera a oração de recolhimento como a mais sublime entre as formas ativas da oração, e assinala que existem apenas dois requisitos para alcançá-la: concentrar todas as potências da alma e retirar-se com Deus dentro de si mesmo. Embora isto envolva inicialmente esforço, com o passar do tempo “o recolhimento se torna muito mais fácil e prazeroso, os sentidos obedecem melhor, mesmo que a pessoa ainda não se tenha libertado completamente das distrações”. 

A santa recomenda vivamente a prática desta forma de oração, dizendo: “Quem for capaz de se fechar desta forma no pequeno céu de sua alma, onde habita Aquele que a criou, pode ter certeza de que está no caminho certo e que finalmente alcançará a fonte de água viva”

Trata-se, portanto, de perceber a presença do Senhor em si mesmo e de entrar em um diálogo íntimo com Ele. Ali, no mais profundo de nossa alma, encontramos tudo; e assim aprendemos a não nos verter para fora e a intensificar nossa vida interior. 

A oração de recolhimento também pode ser praticada pelos fiéis que vivem no mundo, se eles tomarem tempo para entrar em seu “pequeno céu”, onde a Santíssima Trindade estabeleceu Sua morada (Jo 14,23). 

Segundo Santa Teresa de Ávila, a passagem da oração mais ativa para a contemplativa acontece na quarta morada do “castelo interior” da alma. Esta quarta morada, que ela descreve como a oração de quietude, constitui a ligação entre as etapas mais ascéticas e as mais místicas da vida espiritual. A partir deste ponto, seria o próprio Deus que tomaria as rédeas. A parte do homem seria deixar Deus agir, deixando-se transformar por uma relação cada vez mais íntima com Ele. 

Santa Teresa ilustra este processo de transformação, comparando-o ao bicho-da-seda, que se torna uma borboleta. A alma deve ser alimentada por uma boa meditação, leitura espiritual, oração e liturgia, até que estas formas de piedade atinjam seus limites. Uma vez alcançado este ponto, deve começar a tecer um casulo; um lugar onde morrerá sua aparência antiga, desprendendo-se de tudo aquilo a que se agarrou. Se a pessoa estiver disposta a largar tudo, é possível que uma experiência mística lhe seja concedida. 

Santa Teresa descreve esta experiência de Deus nestes termos: “O próprio Deus se conecta com o interior da alma, de modo que ela, ao voltar a si, não pode de forma alguma duvidar que estava imersa em Deus e Deus nela”. 

Esta experiência transforma a pessoa na raiz, assim como acontece com a lagarta que se torna uma borboleta. 

O que dissemos até agora sobre a contemplação pode ser suficiente para uma primeira impressão. Retornaremos indiretamente a este tema quando falarmos sobre a “purificação passiva do espírito”. 

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